05 fevereiro 2006

Pesquisas

Mais recursos, menos burocracia
Mayana Zatz vai cuidar da Pró-Reitoria sem diminuir o ritmo de sua própria pesquisa na área de genética humana. Ela só pede uma pausa nas aulas de Medicina.
A professora Mayana Zatz não quer perder o que considera a coisa mais importante da vida, o tempo. Que não volta nunca. E no período de quatro anos, que é o tempo do cargo de pró-reitora de Pesquisa da USP, vai acumular ocupações administrativas com a pesquisa no Instituto de Biociências (IB), onde é presidente do Cepid Genoma Humano (a sigla se refere ao Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, ligado à Fapesp) e toca uma linha de estudo sobre doenças neuromusculares e outra de células-tronco. Pede apenas um tempo nas aulas de Genética Humana e Médica que dá para alunos do segundo ano de Medicina, no próprio IB. Porque “não dá para fazer tudo ao mesmo tempo”. Garante que não tem ambição política, sua experiência de administração se limita ao Cepid, não pediu cargo nenhum na Reitoria, nem tinha relacionamento próximo com a reitora Suely Vilela. Aceitou a Pró-Reitoria com a condição de que a sua prioridade, a pesquisa, não fosse prejudicada. Daqui a quatro anos estará satisfeita se tiver conseguido cumprir algumas metas que se propôs, especialmente a desburocratização do processo acadêmico, maior integração do conhecimento tecnológico, geração de mais patentes, mais recursos para a pesquisa mediante parcerias com empresas, mais bolsas de estudo e maior divulgação do que a Universidade faz, com apoio da imprensa interna e externa. “Como ainda não conheço bem as regras, me guio pelo bom senso. Se as regras contrariam o bom senso, teremos que mudar as regras”, afirma.
Lições brasileiras
Mayana considera que os estudantes brasileiros, assim como a população em geral, são muito criativos e que o País tem muita coisa a ensinar para o mundo. O sistema eletrônico de voto é uma dessas lições, só não copiada largamente por alguma razão política. Outra coisa bem brasileira é a Iniciação Científica na graduação. “Os meus melhores alunos são aqueles que fizeram IC”, diz a pró-reitora, comentando que, ao iniciar o curso, o aluno tem a chance de trabalhar em laboratório, o que acaba sendo positivo para ele, para o laboratório e para todo o sistema acadêmico. Mayana não está satisfeita com a colocação da USP no ranking mundial de universidades recentemente apresentado pelo jornal britânico The Times, embora tenha ficado entre as 200 maiores. “Temos pesquisadores muito inteligentes, muito capazes, e precisamos dar a essas pessoas oportunidade de produzir competitivamente. O que eu gostaria é agilizar o processo”, afirma. Em algumas áreas da genética humana, que é a sua, o Brasil está no mesmo nível dos norte-americanos, “mas lá a pesquisa anda no passo de gigantes e a gente precisa acompanhar. No Brasil os recursos existem (poderiam ser melhores) e para São Paulo é uma glória ter a Fapesp. Mas tudo demora muito. E para não ficar para trás é preciso também melhorar o intercâmbio com grupos de pesquisa internacionais”. O conceito de pesquisa costuma mudar com o tempo. Mayana diz que, quando a Fapesp começou a trabalhar, há cinco anos, no Cepid da Xylella fastidiosa, com 30 laboratórios, considerava-se pesquisa de ponta o que hoje não é mais. Um “mapeamento” era pesquisa de ponta e levava dois anos para ser concluído; atualmente, leva duas semanas e inclui muito mais informações. A tecnologia evolui rapidamente e facilita tudo. Mas não resolve tudo. A recente fraude do grupo de cientistas sul-coreanos liderado por Hwang Vôo-sak, que teriam produzido em laboratório células-tronco humanas, está aí para confirmar. Mayana manifesta-se extremamente desapontada com aquele vexame internacional e considera a fraude um balde de água gelada na atividade de pesquisa genética, além de um crime. “Nunca mais vou acreditar em nada do que sair daquele grupo”, avisa. A fraude é muito grave, segundo a professora, e precisa ser rigorosamente punida pelas autoridades coreanas, porque atingiu instituições e pessoas inocentes, sobretudo as vítimas de doenças genéticas degenerativas. “Uma mentira sobre quantas cerdas tem certa mosca pode ser só uma bobagem de pesquisador, sem impacto algum”, compara, “mas quando inventam dados e atingem pessoas, é crime”.
Recursos
Também é melhor no Brasil do que nos Estados Unidos, segundo a professora, a forma de administrar verbas recebidas de agências financiadoras. Aqui, os projetos beneficiados e a distribuição dos recursos ficam a cargo de uma comissão ad hoc, totalmente independente do pesquisador que pediu o auxílio. Nos EUA, pelo contrário, o pesquisador recebe o dinheiro, administra-o pessoalmente, distribuindo entre os alunos como bem entender. Desse modo, nem sempre o mérito é premiado e, se perder a pesquisa, os alunos ficam na mão. Por outro lado, o excesso de burocracia prejudica a universidade brasileira. Exemplo disso na USP é a obrigação do pesquisador de apresentar relatórios, geralmente os mesmos, várias vezes e a entidades diferentes. Se houvesse uniformização e um banco de dados, às agências de fomento e aos demais interessados bastaria abrir um computador e em dois minutos teriam tudo sobre o candidato. A área biológica, por exemplo, tem todas as publicações indexadas. A burocracia se faz presente também fora da universidade. Na alfândega é muito forte. Entre um pedido de importação de algum produto para laboratório e sua efetiva chegada passam-se meses, atrasando ou inviabilizando pesquisas. Quanto a mais recursos para a pesquisa, Mayana gostaria de implantar na USP a tradição norte-americana. Lá, além dos recursos vindos de agências financiadoras, os empresários costumam investir na pesquisa universitária, com vantagens para ambas as partes. Outra idéia da professora é premiar os bons pesquisadores. Como? O bom pesquisador, além do salário, poderia receber auxílio financeiro da Universidade para pagar a escola dos filhos ou saldar outros compromissos pessoais ou familiares, ficando liberado para tempo integral na pesquisa, dispensando as consultorias como forma de complementar salário. Um comitê independente julgaria a qualidade das pesquisas e diria quem merece prêmio.
Mais recursos Mayana espera também do governo federal, especialmente a colaboração do SUS (Sistema Único de Saúde) no desenvolvimento tecnológico para cura de doenças genéticas e neuromusculares. Segundo ela, a médio prazo a ajuda significaria economia, pois evitaria a necessidade de novos exames e internações, sem contar que esses pacientes precisam de atenção na parte emocional. Quem ajuda mesmo na área de doenças neuromusculares é a Secretaria da Saúde do Estado.
O tempo que não volta e a capacidade criativa para bem aproveitá-lo, eis o que precisa ser conjugado, segundo a pró-reitora de Pesquisa. Para que não aconteça que, ao fim de um dia cheio de correrias, a gente se frustre ao perguntar: “o que fiz hoje?”

Fonte: Jornal USP

1 Comments:

At 11:44 AM, Anonymous Anônimo said...

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