03 novembro 2006

Alzheimer, 100 anos: otimismo na ciência

Domínio dos processos moleculares deve resultar em novas drogas
No começo do século 20, uma paciente de 51 anos intrigava o neuropatologista alemão Alois Alzheimer com um quadro de perda de memória e delírios enciumados em relação ao marido. Ele pouco pôde fazer por ela em vida, mas ao estudar seu cérebro após a morte, descobriu um acúmulo de placas e emaranhados de proteína que viriam esclarecer um mal que acomete hoje mais de 20 milhões de pessoas no mundo. Há exatamente cem anos Alzheimer descrevia a doença que leva o seu nome e é considerada a causa mais comum de demência em idosos.
Por ano, cerca de 4,6 milhões de pessoas são diagnosticadas com a doença neurodegenerativa, que começa apagando memórias recentes e evolui até destruir completamente o hardware cerebral, deixando o paciente sem lembrança nenhuma, podendo chegar à morte.
Um século depois da descoberta, a ciência já aprendeu muito sobre a biologia molecular da doença e pela primeira vez se refere a ela com uma ponta de esperança. O principal avanço foi entender como atuam duas proteínas fundamentais ao mecanismo, a beta-amilóide e tau, que às vezes são metabolizadas de um modo anormal, gerando um processo conhecido como 'cascata amilóide', que desencadeia o problema.
As placas de proteína se acumulam então entre os neurônios, fazendo com que as sinapses entre eles diminuam e as células morram. Além disso já foram encontrados genes ligados à disfunção das proteínas.
Mas, apesar de todo esse conhecimento, ainda não há cura nem tampouco prevenção ao mal que atinge cerca de 5% das pessoas com mais de 65 anos, e 20% daqueles com mais de 80 anos. 'Ainda temos dúvidas. A maior delas é que não conhecemos as ligações entre a beta-amilóide e a tau', escrevem os pesquisadores Michel Goedert e Maria Grazia Spillantini, da Universidade de Cambridge, na revista Science (www.sciencemag.org) de hoje, que faz um balanço do que a ciência já sabe da doença e aponta os desafios que ainda existem pela frente.
Por décadas, por se imaginar que a doença era rara e ocorria apenas entre pessoas de 50/60 anos, pouco se estudava sobre ela. Somente no final dos anos 60, quando se entendeu que as características encontradas por Alzheimer eram as mesmas presentes em vítimas de demência senil, houve uma extensão do conceito e as pesquisas se tornaram mais comuns.
'A partir da década de 90, houve um avanço extraordinário', afirma o neurologista Ricardo Nitrini, um dos coordenadores do Projeto Envelhecimento Cerebral da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e que há 30 anos trata pacientes com a doença.
Ele conta que quando começou a lidar com a moléstia, quase não havia esperança. 'Hoje é possível ser otimista. Não digo que a cura virá para as pessoas que já estão apresentando a doença, mas talvez para os jovens de hoje, quando eles envelhecerem.' Enquanto isso, acredita Nitrini, podemos esperar por medicamentos que tratem os sintomas de modo mais eficiente ou que pelo menos adiem o surgimento deles para idades mais avançadas.
NOVAS TERAPIAS
De fato, as novidades não param de surgir. A Science traz outro artigo que mostra para onde estão caminhando as novas drogas. Erik D. Roberson e Lennart Mucke, do Instituto de Doenças Neurológicas da Universidade da Califórnia, contam que já estão sendo feitos testes clínicos com diversas estratégias para bloquear a formação das placas de beta-amilóide no cérebro e recuperar neurônios da degeneração.
Outros estudos, menos avançados, tentam criar drogas para atuar sobre a ação de uma outra proteína, a apolipoproteína E, que ajuda a agrupar a beta-amilóide em conglomerados e filamentos.
A dupla lembra que na década de 90, quando foram descobertos os processos envolvidos na produção da proteína beta-amilóide, muita gente imaginou que a cura para a doença de Alzheimer era enfim algo possível de alcançar. 'Um pequeno esforço para desenvolver um inibidor de protease e o fim estaria próximo. Hoje há um consenso de que múltiplas drogas serão necessárias.'
Já se sabe, por exemplo, que a doença atinge as pessoas de modos diferentes. Os medicamentos que já existem têm algum tipo de efeito em no máximo 60% dos pacientes. Os demais, ou não toleram a medicação ou não alcançam nenhum benefício com o tratamento.
'A necessidade de criar drogas com diferentes modos de ação e para regimes individualizados impõe desafios. É preciso uma melhor sinergia entre indústria e academia para melhorar a transição da identificação do alvo e o desenvolvimento de drogas', escrevem os autores. O objetivo principal é prolongar as habilidades cognitivas dos pacientes e manter sua qualidade de vida pelo maior tempo possível.
Mas enquanto a cura não vem, ganham espaço também pesquisas que defendem a prevenção, a partir de uma dieta equilibrada e exercícios regulares. Alimentação saudável a base de verduras, frutas, peixes e azeite de oliva parece colaborar para retardar o início da doença. Acredita-se que atividades físicas também desempenhem esse papel.
Fonte: O Estado S.Paulo