23 fevereiro 2007

'Pai' de Dolly fala sobre futuro da clonagem

Em artigo para o G1, o britânico Ian Wilmut defende uso da técnica para testar drogas.
Pesquisador critica foco em terapias e diz que ainda se sabe pouco sobre o processo.
Novas e revolucionárias oportunidades para a medicina foram iniciadas com o desenvolvimento, há dez anos, de métodos para obter filhotes de mamíferos pela transferência da informação genética de uma célula somática (adulta) para um óvulo da qual a informação genética havia sido removida. Isso tornou possível a realização de modificações genéticas precisas em animais e também criou outras oportunidades inesperadas. Em particular, as células-tronco derivadas de embriões humanos clonados podem ser usadas para estudar doenças humanas hereditárias e, talvez um dia, para tratar doenças. Desde o nascimento de Dolly, conseguimos progressos consideráveis em relação ao nosso objetivo inicial, mas muito menos em relação à produção de células clonadas.
Anticorpos humanos no gado?
A transferência nuclear está sendo usada por Jim Robl [da empresa americana Hematech] e seus colaboradores para produzir anticorpos humanos no gado. Isso envolve a transferência de fragmentos muitos grandes de cromossomos e a deleção [apagamento] da informação genética bovina equivalente a esses fragmentos. As seqüências de DNA que contêm o código para a produção das imunoglobulinas humanas são muito grandes. Para introduzir essas seqüências em células bovinas, eles construíram um microcromossomo que contém não só esses trechos de DNA, mas também um método para identificar as células que carregam os genes humanos. O cromossomo foi introduzido em células fetais, que foram usadas como doadoras de núcleos.
Dessa maneira, foram produzidos bezerros nos quais o pequeno cromossomo adicional estava presente numa proporção de 78% a 100% das células. A análise de proteínas e de células do sangue coletadas desses animais mostrou a presença de anticorpos num nível comparável ao presente em bezerros normais. Entretanto, alguns desses anticorpos vinham dos genes humanos transferidos, enquanto outros vinham dos genes dos próprios bezerros. Uma separação completa entre anticorpos humanos e bovinos é impraticável.Agora, na nova fase do projeto, uma técnica parecida está sendo usada para remover as seqüências genéticas bovinas, de forma que a próxima geração de bezerros só produza proteínas humanas.


A produção de grandes quantidades de anticorpos humanos seria de enorme valor clínico. Eles poderiam ser usados no diagnóstico de doenças ou, em longo prazo, para tratar doenças. Mesmo que um paciente não produza anticorpos contra um câncer ou algumas infecções virais, como a do HIV, se as proteínas dessas células forem administradas ao gado, a produção de anticorpos poderia ser viável. Por serem provenientes de genes humanos, eles seriam mais adequados para os pacientes.

Transplantes de órgãos de animais

Haveria um enorme benefício potencial em identificar uma nova fonte de órgãos para transplante, já que há uma enorme demanda por esses órgãos. Os porcos normalmente são escolhidos como a espécie mais apropriada como doadora, por causa da semelhança em tamanho e fisiologia, disponibilidade de métodos de criação de rotina, fecundidade e distância genética dos seres humanos. Entretanto, se um tecido suíno normal é transplantado para humanos, normalmente acaba destruído muito rapidamente pela chamada “rejeição hiperaguda”. Essa reação dramática é causada pela presença, na superfície das células suínas, de uma molécula de açúcar que não existe nas células humanas.

Parecia razoável propor que os órgãos suínos seriam mais adequados para transplante se fossem feitas modificações genéticas que impedissem a adição desse açúcar na superfície das células. A transferência nuclear possibilitou que dois grupos de cientistas dos EUA conseguissem isso.

Testes feitos com o coração desses porcos mostraram aumentos consideráveis na duração de seu funcionamento depois que ele foi transplantado para babuínos. Quando órgãos são transplantados de porcos comuns para esses macacos, os transplantes normalmente fracassam em 24 horas, com sinais de congestão vascular generalizada, hemorragias e edemas. A sobrevivência mais longa até hoje foi observada com os suínos geneticamente modificados – nesses casos, o transplante durou entre dois e seis meses, com sobrevivência média de 78 dias. Não houve sinais de mortalidade causada por infecção, uma vez que, dentre mais de cem amostras de sangue, apenas três se mostraram contaminadas, e não houve complicações clínicas. Nesses animais, a causa da falha do transplante é desconhecida e ainda precisa ser entendida e superada.

Células de embriões humanos clonados
A capacidade de derivar células-tronco de embriões humanos clonados vai trazer novas oportunidades para o estudo das doenças humanas hereditárias. Se o erro num gene que causa uma doença já foi identificado, existem outras abordagens. Entretanto, as células produzidas a partir de um embrião clonado de um paciente com uma forma hereditária da doença terão as características dessa doença, mesmo se a mutação no DNA for desconhecida. Um desses casos é a família de moléstias conhecidas como doença do neurônio motor, esclerose lateral amiotrófica ou doença de Lou Gehrig [que levam à perda progressiva dos movimentos do corpo].

O objetivo desse tipo de pesquisa é estabelecer uma forma precisa e rápida de testar a capacidade de pequenas moléculas para deter mudanças degenerativas nos nervos. Os compostos selecionados a partir da resposta das células clonadas seriam então submetidos a mais estudos em animais de laboratório antes de seu uso em terapias. A mesma abordagem poderia ser usada para estudar muitas doenças genéticas humanas. A vantagem é maior se a mutação que causa a doença não for conhecida. Também é essencial que os tipos celulares afetados possam ser produzidos a partir de células-tronco embrionárias no laboratório e que seja possível fazer avaliações funcionais dessas células. Entre as doenças candidatas a esse tipo de estudo estão outras doenças neurodegenerativas, cardiomiopatias (doenças do coração) e algumas formas de câncer.
Embora o valor potencial dessa utilização da transferência nuclear seja mais compreendido hoje do que há dez anos, muito pouco progresso foi conseguido. De fato, a área foi atrapalhada por afirmações fraudulentas de sucesso na Coréia do Sul [feitas pelo pesquisador Woo-Suk Hwang e seus colegas] que atraíram atenção mundial. Devemos ter toda a compaixão com as mulheres que doaram óvulos para essa pesquisa, com os pesquisadores do grupo que não se envolveram nesse engodo e, principalmente, com os pacientes que foram levados a esperar um tratamento para suas doenças degenerativas.
Perspectiva de longo prazo
A experiência dos últimos dez anos sugere que pelo menos algumas de nossas esperanças vão se transformar em realidade, mas ainda precisamos aprender muita coisa. Complexas modificações genéticas já foram conseguidas, mas parece provável que a disponibilidade de células-tronco embrionárias de animais facilitaria o processo.
Atualmente, os métodos da clonagem são replicáveis e estão sendo usados por muitos laboratórios pelo mundo, mas são ineficientes. Essa baixa eficiência geral reflete o fracasso dos procedimentos atuais na hora de reprogramar os padrões de expressão [ativação] de genes, fazendo com que eles deixem de ser os apropriados para uma célula adulta e se tornem os necessários para o desenvolvimento normal de um embrião. Não se sabe se anormalidades parecidas na expressão gênica vão ocorrer em células-tronco embrionárias derivadas de embriões clonados.
Essas células trazem a esperança de novos tratamentos, e muitos sugerem que “células específicas para cada paciente” derivadas de embriões clonados trariam a vantagem de não provocar rejeição. Entretanto, é preciso estudar detalhadamente as células produzidas por essa técnica antes de considerar seu uso terapêutico. Nessas circunstâncias, seria mais razoável primeiro usar essas células para pesquisa. Na pressa em passar para a terapia, o valor potencial de células de embriões clonados na descoberta de novos remédios está sendo negligenciada.
Fonte: G1